Na era da mídia social, preciosos os
refúgios que nos permitem usufruir o silêncio. Em lótus, num templo religioso ou
fitando o além, as pessoas descobrem a importância de se colocarem estáticas. Em
mim, a presentificação aflora pelo simples contato com a
natureza.
Um desses esconderijos é o mirante da
Serra da Calçada, em Brumadinho, que nem sei se é digno do status pelas dezenas
de ciclistas que por lá passam nos finais de semana. Mas é quando a tarde cai
que ele se isola. Talvez buscando a própria presentificação, por vezes
interrompida pela minha figura solitária. Ficamos os dois ali, com a intimidade
de bons amigos que aproveitam o silêncio juntos.
Pela proximidade de casa, vemo-nos
com certa frequência. Vinte e cinco minutos é o tempo entre colocar a bike no
carro, em Belo Horizonte, e as primeiras pedaladas na trilha que leva ao nosso
encontro. O penúltimo deles se deu no último pôr-do-sol de 2018. Com o céu mais
belo que nunca, sob os pés da Serra, o vale do Rio Paraopeba reinava encantado.
O mineiro da planície do Rio Doce tomou
gosto pelas alturas. Quem escuta o canto da sereia da montanha, diz o poeta, não
mais se livra do feitiço.
Vinte e seis dias do brinde, o mundo assiste
atônito a mais uma catástrofe ambiental. Como se homem e natureza fossem
dissociáveis, alguém interpela: o “desastre é humanitário”. Desconecto a semântica
e plugo o smartphone. Vídeos, notícias e indignação, os grupos de
WhatsApp borbulham.
Bateau Mouche, Boate Kiss, Mariana,
mais uma tragédia no país do futebol, privilégios e impunidade. Entre outras ocultas
impostas ao cotidiano de uma massa de sobreviventes. Palavras têm sido ditas. E
repetidas. Em tempos cibernéticos: compartilhadas. Aguardemos, ao menos de pé,
as ações e punições que nunca virão.
A algazarra de perplexidade emudece.
O silêncio da sirene ensurdece.
Bicicleta na trilha, hora de atender
ao chamado da montanha. No mirante travestido de memorial, não sei se buscava
consolo ou consolar. A Serra não me deu respostas. Na bruma branca, guardou
para si o sol daquele fim de tarde cinza. E de outras centenas de astros que naquele
horizonte se puseram para nunca mais brilhar.
Perim, parabéns pelo texto e a sensibilidade em traduzir sentimentos que temos por coisas tão simples e que para a maioria das pessoas só passa a ter algum sentido quando tragédias como essa acontecem. A ganância e a individualidade do ser humano atualmente são a principais causas de fatos como esse. Tivemos e ainda teremos, não sei por mais quanto tempo, o privilégio de apreciar momentos que a natureza nos dá em suas formas e momentos maravilhosos. Triste pensar que a capacidade do homem em destruir é muito maior do que a de preservar. Continuo tentando fazer a minha parte. Parabéns.
ResponderExcluirBelas palavras e registro!
ResponderExcluirEssa trilha representa bem o cenário e o cotidiano descrito.
Parte ou "A melhor parte" da trilha do Retiro hoje não existe mais. Foi tomada pelas escavações 🤔
Muito feliz a sua observação e inspiração!Somente pessoas com o seu perfil,e inteligencia,pode narrar tão bem,o momento em que está na natureza,e,com isso,saber o valor que proporciona para o ser humano.
ResponderExcluirPena que existam pessoas,como na coluna da Míriam Leitão,do jornal O Globo,do dia 29/01/18,no qual o advogado da empresa,escritório do Sérgio Bermudes,me recuso a chama-lo de Dr.!!disse que os bloqueios feitos na conta d a Vale,eram ilegais,e que,a mesma,não reconhecia responsabildade pelo acidente,e pediria o desbloqueio de todos os seus bens!!O sentimento de perplexidade foi generalizado,e a companhia se viu obrigada a soltar dois comunicados oficiais para desdizer o advogado.Mas,vc já conhece a figura.....
Sobrinho querido, texto lindo e sensível! Penso que não temos muito tempo para pensar na resposta à pergunta "Até quando?" Parabéns!
ResponderExcluirPerin's sensivel e exato, do coração ao ambiente nesse triste momento.
ResponderExcluirO presidente da Vale sombria disse que empresa vai acabar com todas as barragens que ainda não se romperam. Com isso, além de assumir a culpa, revela que a providência foi tomada com pelo menos três anos de atraso. Nós, entre atônitos e incrédulos, ainda teremos que exigir que a medida seja cumprida...
ResponderExcluirQue fique a lição para o novo governo, irresponsabilidade custa caro, muito caro.
Um grande abraço, Renato!
Meu Cumpadi! Adorei o texto. Fico com essa frase "O silêncio da sirene ensurdece."
ResponderExcluirEu cheguei a compor uma musica no ano que se rompeu a barragem de Mariana. A canção se chama Ictiofauna. Ela é em homenagem aos peixes e as vitimas.
Esse ano, vendo imagens e lendo noticias muito tristes, escrevi a minha segunda canção que se chama "Não Vale Nada".
Forte abraço, querido!
Muito boa sua crônica, Renato. Coisa de profissional talentoso.
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