sexta-feira, 26 de julho de 2013

Crônica: O povo, o taxista e o cético



O povo, o taxista e o cético


Mineiro e taxista são duas figuras que adoram um papo. Pegar um taxi em Belo Horizonte é sinônimo de boa prosa. O melhor é que o áudio é gratuito, já incluído na corrida.

Na era da comercialização do tudo, há de chegar o dia que o serviço será cobrado. Mas enquanto a “bandeira 3” não existe vamos nós aproveitando. De futebol a aquecimento global vale qualquer assunto!

Hoje, como de costume, a corrida foi concorrida. Em tempos de protesto, Sr. Edvaldo mostrava-se maravilhado com o surgimento de uma voz.

Indignado com a política, confessou que em um momento de exaltação chegou a torcer pelo extremo: o povo linchando Sarney e Renan em praça pública!

- Foi o que aconteceu na França, não sei quando e com um rei que não sei o nome. Um passageiro meu contou– disse ele, acrescentando: “É hora do basta”!

Pouco falei e confesso que senti um orgulho silencioso ao constatar que a mobilização nacional extrapolava o movimento estudantil. A nação, enfim, está a postos!

Ao final da corrida, pedi um recibo e a pergunta do Sr. Edvaldo jogou por terra meu sentimento:

- Qual valor preencho?

Na vã esperança de dar uma chance (a mim e não a ele) de o assunto passar despercebido, fingi de desentendido.

A estratégia foi um tiro no pé. Ou melhor, no meu orgulho. Sr. Edivaldo foi agora mais didático na engenharia do crime: “Uai doutor, você pega o recibo maior e ganha no reembolso do cliente”.

Disse que não, despedi-me e fechei a porta.

Sr. Edvaldo, divorciado, dois filhos, pele morena, cabelos negros, barba por fazer. Cidadão trabalhador. Brasileiro indignado. Homem desonesto. Caricatura do nosso povo?

Minha mente foi instigada e uma janela se abriu. Dela observei uma multidão ocupando as praças.

Temos legitimidade?

Nos bastidores de todos os segmentos da nação, a corrupção é uma praga. Onde quer que seja, nível hierárquico, localização geográfica ou departamento, o “cambalacho” está lá, de prontidão em uma prateleira empoeirada ou ocultado entre abraços e sorrisos amarelos.

Qual seria a proporção, destes que manifestam, que pratica ou consente com algum tipo de desonestidade? Talvez poucos, em minha opinião muitos.

Teriam os políticos também o direito de manifestar pedindo tratamento isonômico? Ora, o direito à igualdade é cláusula pétrea, previsto no art. 5º da Constituição, e, em uma nação de corruptos, só eles estariam pagando o pato!

Já até imagino a cena, Fernando Collor e Paulo Maluf, com as caras pintadas, vinagre na mochila e uma faixa com o dizer: "Igualdade já! Imediata inclusão nos protestos de  juízes vendidos, empresários corruptores, fiscais desonestos e também do 'bom de prosa e de recibo' Sr. Edvaldo".

Deixo a cômica tese para os juristas, mas proponho uma reflexão.

Não se muda uma nação de cima para baixo. A transformação vem da base. A mudança mais importante está em cada um de nós, na postura individual e censura à imoralidade alheia.

Pouco adiantará a troca de um ou outro político. A fila infelizmente não é das mais admiráveis. Que troquem todos e asseguro que a farra continuará. Não temos como fugir de certas leis da vida e uma delas é que os representantes políticos refletem o perfil da própria sociedade.

E uma sociedade só se muda com educação.

Nosso silêncio consentiu com um gasto de quase trinta bilhões para uma Copa, valor que poderia ser investido na construção de escolas de qualidade para nossas crianças.

Aprendamos a lição!

E que as vozes que hoje ecoam por avenidas e praças, com legitimidade ou não, sensibilizem-se para a mais relevante questão: EDUCAÇÃO JÁ! 

Está aí um "efeito manada" que contagiaria até os céticos e menos idealistas.

E sobretudo teria a eterna gratidão de nossos netos.
 
 
Nota: crônica escrita em 25/06/13, período de grandes manifestações populares no país.