Pães e construções
Fã de cinema europeu, ele
odiava chavões.
Quando menos explícito
melhor.
Um amor platônico era seu
pesadelo.
Preferia o fim ao final
feliz.
E numa dessas, Anasdolfo
se apaixonou.
Por inteiro e completo.
Era a caixa da padaria de três
ruas acima.
Não da luxuosa padaria ao
lado, isso não combinava, mas da menor e mais distante.
Ela, com cabelos presos e
olhos castanhos, era mesmo bela.
O amor correspondido
incomodava-o pela facilidade.
O sorriso do dia anterior
convidava a uma saída com sexo no primeiro encontro.
- Não, não, isso nunca!
“Onde estavam os códigos ocultos”?
Com repúdio, Anasdolfo
fez-se ranzinza.
E no troco da nota de
vinte recebeu balas de maça-verde.
Sim, estava finalmente
amado.
À sua maneira.
Duas semanas após, a
mexida nas madeixas era a derradeira despida da alma.
Já não pensava em outra
coisa e, travesso ao travesseiro, Anasdolfo não domava a antes recatada sutileza.
A excitação do gozo solitário
anunciava o termo àquele clichê de felicidade.
Era hora do fim e com
ímpeto dirigiu-se à padaria.
Desviou no caminho a tempo
de impedir o convencional e indesejado embate.
Sem palavras ou
justificativas, opôs à esquina do seu eterno amor e dele não mais se ouviu. Não
se desfez triste, tampouco feliz. Apenas desapareceu.
Para ela, nada aconteceu. Anasdolfo
foi, entre tantos, um despercebido cliente.