Noruega:
entre fiordes e montanhas
A Noruega
sempre me fascinou. Não só pelo nível social da civilização, primeiro lugar no ranking mundial de desenvolvimento
humano (IDH), mas pela exuberante natureza. A este fascínio somou-se a busca
por uma viagem fora dos clássicos roteiros de bicicleta do Brasil e Europa
Ocidental, em um local que oferecesse a segurança para um pedal a dois, já que
levava na bagagem uma ciclista apaixonada.
Pelo pouco
tempo de viagem, oito dias, defini um trajeto curto de 500 km, que pudesse nos
propiciar a maior diversidade de paisagens.
Chegando à
capital, Oslo, encontramos certa dificuldade de embarcar para o ponto de
partida da viagem, Åndalsnes, pois há vagas limitadas para bicicletas nos trens
e, no ápice da estação turística, estava tudo lotado. Com isso, atrasamos um
dia o início e aproveitamos para conhecer a cidade, óbvio, de bicicleta. Por
lá, pedalamos cerca de 50 km por pacatas vizinhanças, belos parques e zona
rural das redondezas. Como praticamente em toda a Europa, o respeito pelo
ciclista é imenso e a falta de ciclovias compensada por uma sensação de
segurança que, infelizmente, não existe por aqui.
Pelo inesperado
problema de logística, invertemos o roteiro e iniciamos a viagem em Haugastøl,
onde descemos do trem e já, em seguida, adentramos em um conhecido roteiro de
bicicleta local, Rallarvegen, uma estreita estrada de cascalho de, aproximadamente,
100 km construída para dar suporte à antiga e abandonada linha de trem entre
Oslo e Bergen.
Só este
caminho, um dos mais lindos que já pedalei, valeria toda a viagem. Inicialmente
com uma longa ascendência, a estrada percorre um platô a 1.400 metros de
altitude, passando por trechos nevados, grande lagos de águas cristalinas e
muitas, muitas cachoeiras! Ao entardecer, uma acentuada descida para o nível do
mar até Flåm, antes passando por um vale daqueles de cenários típicos da
mitologia.
Dizem que, anualmente,
de julho a setembro (nos demais meses, a estrada é fechada pela neve), cerca de
20.000 ciclistas percorrem o trajeto. Aos montes eles estavam lá: famílias
inteiras, idosos, crianças, atletas, viajantes, todos misturados, colorindo
aquela atmosfera mágica com suasbicicletas.
Nos demais
dias, pedalamos por caminhos não menos incríveis, muitos deles acompanhando os
famosos fiordes, braços de mar que avançam entre as imensas montanhas
continente adentro e fazem da Noruega um cenário único no mundo. Dois deles,
Nærøyfjord e Geiranger, considerados Patrimônio Mundial pela UNESCO.
Mesmo quando
não podíamos avançar no trajeto, aguardando os Ferrys, aproveitávamos o máximo
para explorar os lugares de bicicleta e achar o melhor espaço para um
piquenique, como um especial feito às margens de um fiorde na vila de
Balestrand.
Também cruzamos
Gaularfjellet, uma rota turística nacional norueguesa, cercada de lagos e
cachoeiras, em que pedalamos dezenas de quilômetros sob um frio de oito graus
sem avistar uma alma viva sequer. Pode parecer piada, mas a única lanchonete no
caminho vendia apenas sorvete.
A Noruega não é
um destino tradicional para o brasileiro padrão, que, infelizmente, parece se
entusiasmar mais com os outlets de
Miami. Encontramos poucos conterrâneos por lá. Nos isolados vilarejos, a
surpresa pela nossa nacionalidade, mesmo pelos contidos noruegueses, era
imensa.
O cicloturismo
nos permite penetrar em espaços que não constam em guias turísticos e, com isso,
nos surpreender. Numa dessas ocasiões, nos vimos em um aconchegante restaurante
encravado em uma clássica fazendinha nórdica. Todos os ingredientes dos pratos
eram lá produzidos artesanalmente e a simpática garçonete, também pastora de
ovelhas, mal conseguia atender os demais clientes, tamanho o interesse nos dois
brasileiros viajantes de bicicleta que foram parar naquele isolado pedaço de
mundo. Momentos aparentemente simplórios, mas de uma energia grandiosa. De
barriga cheia e alma renovada, seguimos em frente desviando de crianças que
brincavam no jardim.
Já havia feito
viagens de bicicleta por diversos países e algo que não posso me queixar é
doelemento sorte, principalmente no que se refere ao clima. Como num enredo
literário, tudo sempreconspirou para dar certo e as lembranças sempre foram de
pedaladas em estradas floridas e ensolaradas. Na Noruega, a natureza nos
mostrou outra faceta além da exuberância.
Primeiro, pelas
imponentes montanhas. Não havia como ir de um fiorde a outro sem serpenteá-las
e vários foram os dias em que saímos do nível do mar para atingir 700m, 800m de
altitude após alguns poucos quilômetros de pedaladas. Neste ponto, somos gratos
às montanhas mineiras, que calejaram nossas perninhas ao longo do tempo. Segundo,
pela instabilidade do clima. Mesmo no verão, o frio nos acompanhou do início ao
fim e a temperatura oscilou entre 6° e 15°. Como se não bastasse, em alguns dias,
a chuva não deu trégua e caiu impiedosa.
É quase um
jargão dos cicloturistas a ênfase na proximidade de tal experiência aos
mínimos detalhes do meio ambiente. Colocados à prova na Escandinávia, percebemos
que a máxima se aplica ao inverso. A natureza sussurra, mas também vocifera.
Apesar do
desconforto momentâneo, as adversidades topográficas e climáticas faziam
brotar, ao final do dia de pedalada, uma estranha sensação de realização.
Na terra dos
Vikings, destemidos exploradores, entendemos que há algo além do ego que leva
os homens a desafiar os próprios limites para desbravar oceanos, florestas e conquistar
os mais elevados cumes de montanhas.
Nota: matéria publicada na edição de Maio de 2014 da Revista
Bicicleta.