Face o voto
Como anuncia o jargão,
parece-me que a eleição é mesmo a festa da democracia.
Só ainda não identifiquei
que festejo é esse. Seria um baile de máscara, pela faceta com que os
candidatos prometem o impossível e negam o evidente? Ou uma festa à fantasia,
pelos personagens em que se transformam?
Seremos convidados para o
banquete que se seguirá ao sufrágio ou reduzidos, como de costume, à nossa
flagelada festança do pijama?
Enquanto a elementar
resposta não vem, contemos nos dedos os dias para o final da sessão de tortura à
racionalidade promovida pelos eleitores, digamos, “mais engajados”.
Entrincheirados de um lado,
os “anti-petistas”. Indignados com a roubalheira dos últimos anos, sonham com o
dia em que a escória deixará Brasília. Fora Dilma e toda a corja vermelha.
Lambuzam-se com frases de
efeito e por textos capitaneados por blogueiros pseudo-filósofos. Um desses
citou Kant para defender a derrocada petista. Vixe Maria!
A Revista VEJA é a bíblia.
Para eles, o PCC e as FARC
são um braço do PT, que também escravizou médicos cubanos e inventou a
corrupção.
Estarrecem-se com a depravação
na Petrobras, mas pouco se incomodam com o escândalo tucano do metrô paulista, com
protagonismo de idênticas empreiteiras. A propósito, será que o oligopólio dos
Odebreches, Andrades e Camargos foi criado somente com a assunção do PT ao poder?
“O oligopólio não, mas a corrupção sim” - dirão com dedo em riste.
No corner oposto do ringue, os “anti-elite”. As palavras de ordem são
“burguesia”, “oligarquia política” e “grande mídia”. Demonizam os abastados, em
que pese muito deles advirem justamente dessa casta e morarem em nobres
vizinhanças da Zona Sul.
Vale tudo pelo social! Até
pagar in chash e fechar os olhos para
o troco na cueca.
Embriagados de Romanée-Conti,
torcem a cara para números e estatísticas. Superativ primário, responsabilidade
fiscal, metas de inflação? Invenções macabras da nefasta elite detentora do
capital.
De nada vale um PIB positivo
com um governante aristocrata. A imagem do presidente Aécio com a loiraça
primeira dama em um iate é um pesadelo que os assombra. Uma Carla Bruni tupiniquim?
Jamais!
E pasmem: o playboy matou
aula de Geografia na 7ª série. Não podemos ter um líder com esse histórico de
improbidade, quanto mais com uma malvada irmã onipresente, onipotente e
onisciente. Seria ela também um ornitorrinco?
Para aqueles, estes são a
“esquerda caviar”. Para estes, aqueles os “coxinhas”.
A mistura indigesta converge
na inclinação pelo sensacionalismo e na intolerância pela opinião antagônica.
Encurralados nesse
sanguinário duelo de organizadas, na insaciável batalha do bem contra o mal, estamos
nós: os não embandeirados.
Os calejados com esse teatro
do horror pelo jogo do poder. Não negamos a escolha, mas o barulho.
De fone nos ouvidos e
cambaleantes, caminhamos sem estômago para coxinha, nem dinheiro para caviar,
sob a rouquidão do pavio do destino, certa vez assim cantado pelo maluco Sérgio
Sampaio:
“O tempo que é pai de tudo
E surpresa não tem dia
Pode ser que haja no mundo
Outra maior ironia
O bandido veste a farda
Da suprema segurança
O mocinho agora amarga
Um bando, uma quadrilha
São os dois da mesma safra
Os dois são da mesma ilha
Dois meninos pelo avesso
Dois perdidos Valentinos”