domingo, 19 de outubro de 2014

Face o voto


Face o voto

Como anuncia o jargão, parece-me que a eleição é mesmo a festa da democracia.

Só ainda não identifiquei que festejo é esse. Seria um baile de máscara, pela faceta com que os candidatos prometem o impossível e negam o evidente? Ou uma festa à fantasia, pelos personagens em que se transformam?

Seremos convidados para o banquete que se seguirá ao sufrágio ou reduzidos, como de costume, à nossa flagelada festança do pijama?

Enquanto a elementar resposta não vem, contemos nos dedos os dias para o final da sessão de tortura à racionalidade promovida pelos eleitores, digamos, “mais engajados”.

Entrincheirados de um lado, os “anti-petistas”. Indignados com a roubalheira dos últimos anos, sonham com o dia em que a escória deixará Brasília. Fora Dilma e toda a corja vermelha.

Lambuzam-se com frases de efeito e por textos capitaneados por blogueiros pseudo-filósofos. Um desses citou Kant para defender a derrocada petista. Vixe Maria!

A Revista VEJA é a bíblia.

Para eles, o PCC e as FARC são um braço do PT, que também escravizou médicos cubanos e inventou a corrupção.

Estarrecem-se com a depravação na Petrobras, mas pouco se incomodam com o escândalo tucano do metrô paulista, com protagonismo de idênticas empreiteiras. A propósito, será que o oligopólio dos Odebreches, Andrades e Camargos foi criado somente com a assunção do PT ao poder? “O oligopólio não, mas a corrupção sim” - dirão com dedo em riste.

No corner oposto do ringue, os “anti-elite”. As palavras de ordem são “burguesia”, “oligarquia política” e “grande mídia”. Demonizam os abastados, em que pese muito deles advirem justamente dessa casta e morarem em nobres vizinhanças da Zona Sul.

Vale tudo pelo social! Até pagar in chash e fechar os olhos para o troco na cueca.

Embriagados de Romanée-Conti, torcem a cara para números e estatísticas. Superativ primário, responsabilidade fiscal, metas de inflação? Invenções macabras da nefasta elite detentora do capital.

De nada vale um PIB positivo com um governante aristocrata. A imagem do presidente Aécio com a loiraça primeira dama em um iate é um pesadelo que os assombra. Uma Carla Bruni tupiniquim? Jamais!

E pasmem: o playboy matou aula de Geografia na 7ª série. Não podemos ter um líder com esse histórico de improbidade, quanto mais com uma malvada irmã onipresente, onipotente e onisciente. Seria ela também um ornitorrinco?

Para aqueles, estes são a “esquerda caviar”. Para estes, aqueles os “coxinhas”.

A mistura indigesta converge na inclinação pelo sensacionalismo e na intolerância pela opinião antagônica.

Encurralados nesse sanguinário duelo de organizadas, na insaciável batalha do bem contra o mal, estamos nós: os não embandeirados.

Os calejados com esse teatro do horror pelo jogo do poder. Não negamos a escolha, mas o barulho.

De fone nos ouvidos e cambaleantes, caminhamos sem estômago para coxinha, nem dinheiro para caviar, sob a rouquidão do pavio do destino, certa vez assim cantado pelo maluco Sérgio Sampaio:

“O tempo que é pai de tudo
E surpresa não tem dia
Pode ser que haja no mundo
Outra maior ironia
O bandido veste a farda
Da suprema segurança
O mocinho agora amarga
Um bando, uma quadrilha
São os dois da mesma safra
Os dois são da mesma ilha
Dois meninos pelo avesso
Dois perdidos Valentinos”