Uh tererê!!!
“A diferença entre um remédio e um veneno está na dosagem”.
(Paracelso – Médico séc. XVI)
Em
certo segundo de algum minuto de uma madrugada de julho do ano de 2013, um
arbitro gesticulou com os braços indicando que determinado clube de futebol,
esporte mais popular do país Brasil, havia se tornado campeão.
Popular:
agradável ao povo. Povo: conjunto de pessoas que vivem em uma sociedade.
Esporte mais popular, portanto, é o que mais agrada ao conjunto de pessoas que
vivem em uma sociedade, no caso, a brasileira.
Voltando
ao segundo, mencionado primeiro, ali, naquele instante, desencadeou-se uma
histeria coletiva.
De
fora, observei-a.
O
ilógico fascínio pelo futebol sempre me fascinou.
Com
a autoridade de um antigo apaixonado pelo esporte até o início da minha década
de vinte, mergulho em sentimentos juvenis e tento decifrar o motor dessa engrenagem.
O que me movia?
Não
se deve olhar o passado com os olhos do presente, mas em primeiro lugar diria
que certa sede de veneração. A tal inquietante (e eterna?) busca do ser humano
por ídolos. Para emendar o jargão filosófico: nos idos de 90, o futebol era lá
o meu socialismo.
E
não é só. Arrisco dizer que essa paixão trazia uma satisfação oculta pela
inserção no grupo. Como disse Cícero há mais de dois mil anos: “o homem se
sente mais feliz quando acha que está agindo como seus semelhantes e isso é um
augúrio triste e terrível para o futuro”.
Longe
de algo originário, o agrado pelo futebol na nossa sociedade é um movimento redundante
no qual as pessoas se inserem pelo simples fato de a maioria já estar inserida.
Se
futebol sensibilizasse por si, como diversa e universalmente nos toca uma
deslumbrante paisagem, outros países não o desprezariam como Canadá e Nova
Zelândia, fanáticos por hóquei e rúgbi.
A
tendência de seguir o comportamento da maioria não é exclusiva do esporte. Longe
disso, está presente na essência do homem médio, impregnada na sua cultura e
costumes.
Mas
se o futebol não é o único instrumento desta tendência, talvez seja uns dos que
mais a torna explícita pelo excesso, pela caricatura exposta na emoção e por
agrupar um sentimento de orgulho.
Sim,
orgulho.
Mesmo
os reservados mineiros, muitas vezes incapazes de reconhecer uma virtude
própria, colocam a modéstia ao lado para esnobar a superioridade do time de
coração.
Um
paradoxo curioso: alguém que exalta em demasia os próprios feitos ou as
realizações de um filho, por exemplo, é censurado pela coletividade. Outro que enaltece
o time e ridiculariza o adversário acaba saudado pelo grupo.
Não
raro, as práticas da torcida se assemelham a atos extremistas religiosos.
Brigas, lágrimas, uma apoteose! Na Colômbia, o zagueiro Andrés Escobar foi
assassinado por ter feito um gol-contra na Copa.
Os
sacramentos são cumpridos à risca e logo cedo as crias são lambidas com as
cores do time. Com o primeiro grito de guerra curtido pelos amigos do papai no facebook,
os mancebos em breve estarão prontos para os primeiros uivos apaixonados
sozinhos.
A
falta de requinte nos estádios também chama atenção. Palavras de baixo calão,
injúrias e homofobia são praticadas como se ali fosse um estado de direito
paralelo.
Convencido
pela inauguração de um “estádio padrão primeiro mundo” voltei ao campo após
anos de ausência e, após solicitar a uma enorme cabeça para se sentar, fui
repreendido com veemência ao argumento que “ali não era camarote”. Nas duas
horas que fiquei de pé, o contrataste entre dezenas de milhares de cadeiras
lustradas e o infinito de pernas esticadas despertou-me mais a atenção ao
próprio jogo.
A
mídia, tendenciosa pela imbecilização da massa, delicia-se com notícias e
manchetes, na máxima de quanto mais frívola melhor. Desconexos analistas do
esporte ganham status de grandes pensadores. E o torcedor, embrulhado sob
lágrimas em uma bandeira, vira o símbolo do festejado triunfo contra o
humilhado adversário. Um ufanismo sem pátria. Um horror!
Na
dita final do tal mês de julho do ano de 2013, contaram-me com orgulho, diversas
foram as ocorrências de enfarte entre torcedores. Sinal que nossa sociedade
está mesmo doente. E os remédios - arte, cultura, natureza e filosofia - aos
montes empoeiram-se nas prateleiras.
No
Pindorama, quem é macho grita gol!