Que
tempos são estes?
No 17 de abril de 2016, quinhentos e
onze parlamentares reuniram-se na Câmara dos Deputados e aprovaram a abertura
do processo de impeachment contra a Presidente da República. De um lado, Dilma
Rousseff, suas pedaladas fiscais, a crise econômica e denúncias de
corrupção do atacado ao varejo. Do outro, novamente corrupção, uma mídia parcial e a
sede de vingança da mais demoníaca figura política da atualidade.
Legítimo processo constitucional? Golpe
de Estado? O Facebook, de braços abertos, aguarda seu veredito, enquanto Michel
Temer, com semblante de mordomo de filme terror, finge de desentendido. O
fim da película revelará a culpa do personagem?
Fato é que domingo foi um show de
horror. Seria o congresso imagem e semelhança da sociedade brasileira? Somos
aquilo, eu e você? Ou são eles senhores edificando as teias para uma plebe
escravizada, que financia, com o suor do trabalho, as benesses da realeza neste
ciclo interminável de servidão e poder?
Espelho ou escravo, escandalizei-me.
Com todos e tudo. Principalmente com a audácia do deputado Jair Bolsonaro de
homenagear um torturador da ditadura militar. E o espanto me assaltou de vez ao ver pessoas de bem, amigos inclusive, defendendo o fato.
- A causa era legítima. Aquilo era uma
guerra, Renato. Se não fosse a ditadura, o socialismo estaria aí – é o que
tenho ouvido.
O argumento é ignóbil. Os socialistas não foram as únicas vítimas da sangrenta ditadura militar. Qualquer um que se
opusesse ao regime, o mero apologista da democracia, estava sujeito ao pau de
arara. E que mundo é este onde o cidadão não tem o direito de escolher o modelo
econômico ou político que mais lhe agrada? Torturar alguém por ser socialista é
uma barbárie. Nem os nazistas receberam esse tratamento em Nuremberg. Ou seria
legítimo conceber, nos dias de hoje, o sumário assassinato de políticos que
mantêm viés de esquerda?
Até as mais belicosas batalhas têm suas
regras. Quem ultrapassá-las merece o repúdio. Práticas como tortura,
assassinato intencional e tratamento desumano foram definidas como crimes de
guerra pela Convenção de Genebra em 1864 e agora, à luz do século XXI, indivíduos levantam a bandeira da ditadura que banalizou esses crimes. É isso
mesmo?
Bolsonaro é um Donald Trump piorado, um
Le Pen tupiniquim. Entre outras atrocidades, disse preferir “um filho morto em
acidente a um homossexual” e que “ter filho gay é falta de porrada.” Substitua
as palavras “homossexual” e “gay” por “negro” e “judeu” e perceba a gravidade
dessas frases. Sobretudo, imagine-se num lugar de um homoafetivo ouvindo isso.
No Iraque, o jornalista Muntazer al
Zaidi jogou um sapato em George Bush. O cuspe de um homossexual foi uma
pena por demais branda para o nosso criminoso. Legítima defesa de uma minoria
secularmente ridicularizada, das piadas de salão aos gritos de torcida. A
verdadeira punição não virá pelo Conselho de Ética ou Judiciário, mas pela
censura da coletividade contra um ser humano que dissemina o ódio e
preconceito.
A maturidade traz conhecimento e
incertezas. Mas o paradoxo também cristaliza convicções. Em mim, uma delas é o
inconformismo à ascensão de uma figura como Bolsonaro em pleno terceiro
milênio. Com tanta poesia pelo mundo, não deveríamos sequer estar falando dele. Como bem colocou o dramaturgo alemão Bertholt Brecht, há mais de 50 anos:
“Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio”?
Renato Perim