quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Tem que ver para não crer



Tem que ver para...não crer


O episódio se deu em Uberaba, berço de minha família materna.  

Certa vez, contou-me um primo, um dito recém-casado, daqueles mulherengos de primeira, passeava de mãos dadas com a outra tranquilamente pela calçada.

Cidade pequena, risco enorme e não deu outra. Logo os passos do casal cruzaram ao de uma pessoa digamos familiar: a própria esposa.

Para a perplexidade da traída, o traidor sequer franziu a testa e em frente seguiu com seus passos como se o grave evento não tivesse ocorrido.

Ao chegar ao lar, o barraco estava armado:

- Não foi apenas a traição, mas a humilhação pública! – gritava ela, entre berros e lágrimas.

Apesar do flagrante, a tese de defesa eleita apontava pela negativa total dos fatos.

- Eu? – Perguntou o velhaco, com perplexidade.

- Cara-de-pau, safado, sem-vergonha, mentiroso! – para não citar outros, foram alguns dos “elogios” que ouviu em resposta.

Mas, para surpresa da mulher, após horas de bombardeio ele continuava intacto na negativa e, contra-atacada pelo dedo em riste do marido, deixou escapar a frase que salvou o casamento:

- Eu tenho “quase” certeza que era você.

O que se desencadeou a partir daí, todo mundo já sabe. Viveram felizes para sempre, ele cauteloso para não mais desfilar com os vários rabos de saia pela “Grande Beraba”, ela com a certeza que tudo não passou de uma “quase certeza”.

Viu, mas não creu.

O verídico “causo” veio-me à memória com toda essa história de mensalão, quando recentemente li sobre a indignação de certos com a condenação dos acusados.

O Brasil desponta em todos os rankings mundiais de corrupção. Durante anos administradores públicos, de indistintas ideologias e partidos, desviam impunemente valores que deveriam ser endereçados para garantir o bem estar da coletividade e atenuar um sangrento abismo de desigualdade social.

Em 2003 aconteceu de novo, mas dessa vez os caras foram em cana. Gente da alta: ministro, deputado, banqueiro e até o ex-futuro presidente do país.

O modus operandi do julgamento trouxe à tona a imperfeição do sistema. Intermináveis horas de maçantes discussões, onde os homens da lei mais pareciam pavões medievais, tamanha batalha de egos e retórica arcaica. Com mais de 600 depoimentos e 50.000 páginas, o processo deveria ser imortalizado em praça pública como um monumento nacional do país da burocracia.

Mas se o rótulo deixou a desejar, o conteúdo atendeu à expectativa e, com coragem, o colegiado reconheceu a nefasta corrupção praticada.

E também pudera, o batom estava na cueca!

Entre tantas evidências: 73 milhões de reais desviados de uma estatal, outros 60 milhões forjados como empréstimos por uma instituição financeira e inúmeros saques em dinheiro vivo por parlamentares às vésperas de votações importantes.

Tudo à luz do dia!

As deslavadas versões dos condenados não me causam tanto espanto quanto a adesão a elas de parte da população.


Sim, há quem diga que o mensalão foi um julgamento “midiático”, palavra que parece ter entrado de vez na moda.


Duvido que leram ao menos uma lauda do calhamaço ou tampouco saibam o que é um Código Penal. Mesmo assim insistem em urrar pelos corredores das redes cibernéticas que tudo não passou de um espetáculo midiático.


“Midiático, midiático e midiático”! E ponto final.


De braços erguidos e punho cerrado, José Genoino Guimarães Neto – ex-presidente do PT - surfou nessa onda como ninguém e, emoldurado em um tubo de ideologia, já é para muitos um herói nacional. Pouco importa se até mesmo o ministro Dias Toffoli - sim, o ex-advogado do mesmo PT! – ter reconhecido em seu voto que Genoino foi corrupto.


- Tudo midiático!


De novo, lembro-me da ingênua uberabense que, como os indignados idealistas, sucumbiu à convicção da negativa ou talvez ao íntimo desejo de não querer crer na estampada, mas inconveniente verdade.


Meus férteis (e às vezes depravados) pensamentos imaginam a excitação da bela jovem com a “nova verdade” que acabara de conhecer. Lançada de bruços com violência, desfez-se amada, outra vez amada e novamente amada por seu antes algoz...


Seria esse também o destino dos inflamados devaneadores tupiniquins?