Tem que ver para...não crer
O episódio se deu em Uberaba, berço
de minha família materna.
Certa vez, contou-me um primo, um dito recém-casado, daqueles mulherengos de
primeira, passeava de mãos dadas com a outra tranquilamente pela calçada.
Cidade pequena, risco enorme e
não deu outra. Logo os passos do casal cruzaram ao de uma pessoa digamos
familiar: a própria esposa.
Para a perplexidade da traída, o
traidor sequer franziu a testa e em frente seguiu com seus passos como se o
grave evento não tivesse ocorrido.
Ao chegar ao lar, o barraco
estava armado:
- Não foi apenas a traição, mas a
humilhação pública! – gritava ela, entre berros e lágrimas.
Apesar do flagrante, a tese de
defesa eleita apontava pela negativa total dos fatos.
- Eu? – Perguntou o velhaco, com
perplexidade.
- Cara-de-pau, safado,
sem-vergonha, mentiroso! – para não citar outros, foram alguns dos “elogios”
que ouviu em resposta.
Mas, para surpresa da mulher, após
horas de bombardeio ele continuava intacto na negativa e, contra-atacada pelo dedo
em riste do marido, deixou escapar a frase que salvou o casamento:
- Eu tenho “quase” certeza que
era você.
O que se desencadeou a partir
daí, todo mundo já sabe. Viveram felizes para sempre, ele cauteloso para não
mais desfilar com os vários rabos de saia pela “Grande Beraba”, ela com a certeza que tudo não passou de uma “quase certeza”.
Viu, mas não creu.
Viu, mas não creu.
O verídico “causo” veio-me à
memória com toda essa história de mensalão, quando recentemente li sobre a
indignação de certos com a condenação dos acusados.
O Brasil desponta em todos os
rankings mundiais de corrupção. Durante anos administradores públicos, de indistintas
ideologias e partidos, desviam impunemente valores que deveriam ser endereçados
para garantir o bem estar da coletividade e atenuar um sangrento abismo de
desigualdade social.
Em 2003 aconteceu de novo, mas
dessa vez os caras foram em cana. Gente da alta: ministro, deputado, banqueiro
e até o ex-futuro presidente do país.
O modus operandi do julgamento trouxe à tona a imperfeição do sistema.
Intermináveis horas de maçantes discussões, onde os homens da lei mais pareciam
pavões medievais, tamanha batalha de egos e retórica arcaica. Com mais de 600
depoimentos e 50.000 páginas, o processo deveria ser imortalizado em praça
pública como um monumento nacional do país da burocracia.
Mas se o rótulo deixou a
desejar, o conteúdo atendeu à expectativa e, com coragem, o colegiado
reconheceu a nefasta corrupção praticada.
E também pudera, o batom estava
na cueca!
Entre tantas evidências: 73
milhões de reais desviados de uma estatal, outros 60 milhões forjados como
empréstimos por uma instituição financeira e inúmeros saques em dinheiro vivo
por parlamentares às vésperas de votações importantes.
Tudo à luz do dia!
As deslavadas versões dos
condenados não me causam tanto espanto quanto a adesão a elas de parte da
população.
Sim, há quem diga que o mensalão
foi um julgamento “midiático”, palavra que parece ter entrado de vez na moda.
Duvido que leram ao menos uma lauda do calhamaço ou tampouco saibam o que é um
Código Penal. Mesmo assim insistem em urrar pelos corredores das redes cibernéticas que tudo não passou de um espetáculo midiático.
“Midiático, midiático e
midiático”! E ponto final.
De braços erguidos e punho
cerrado, José Genoino Guimarães
Neto – ex-presidente do PT - surfou nessa onda como ninguém e, emoldurado em um
tubo de ideologia, já é para muitos um herói nacional. Pouco importa se até
mesmo o ministro Dias Toffoli - sim, o ex-advogado do mesmo PT! – ter reconhecido
em seu voto que Genoino foi corrupto.
- Tudo midiático!
De novo, lembro-me da ingênua
uberabense que, como os indignados idealistas, sucumbiu à convicção da negativa
ou talvez ao íntimo desejo de não querer crer na estampada, mas inconveniente
verdade.
Meus férteis (e às vezes
depravados) pensamentos imaginam a excitação da bela jovem com a “nova verdade”
que acabara de conhecer. Lançada de bruços com violência, desfez-se amada, outra
vez amada e novamente amada por seu antes algoz...
Seria esse também o destino dos inflamados
devaneadores tupiniquins?