O povo, o taxista e o
cético
Mineiro e taxista são duas figuras que adoram um papo. Pegar
um taxi em Belo Horizonte é sinônimo de boa prosa. O melhor é que o áudio é
gratuito, já incluído na corrida.
Na era da comercialização do tudo, há de chegar o dia que o
serviço será cobrado. Mas enquanto a “bandeira 3” não existe vamos nós
aproveitando. De futebol a aquecimento global vale qualquer assunto!
Hoje, como de costume, a corrida foi concorrida. Em tempos de
protesto, Sr. Edvaldo mostrava-se maravilhado com o surgimento de uma voz.
Indignado com a política, confessou que em um momento de
exaltação chegou a torcer pelo extremo: o povo linchando Sarney e Renan em
praça pública!
- Foi o que aconteceu na França, não sei quando e com um rei
que não sei o nome. Um passageiro meu contou– disse ele, acrescentando: “É hora
do basta”!
Pouco falei e confesso que senti um orgulho silencioso ao constatar
que a mobilização nacional extrapolava o movimento estudantil. A nação, enfim,
está a postos!
Ao final da corrida, pedi um recibo e a pergunta do Sr.
Edvaldo jogou por terra meu sentimento:
- Qual valor preencho?
Na vã esperança de dar uma chance (a mim e não a ele) de o
assunto passar despercebido, fingi de desentendido.
A estratégia foi um tiro no pé. Ou melhor, no meu orgulho.
Sr. Edivaldo foi agora mais didático na engenharia do crime: “Uai doutor, você
pega o recibo maior e ganha no reembolso do cliente”.
Disse que não, despedi-me e fechei a porta.
Sr. Edvaldo, divorciado, dois filhos, pele morena, cabelos
negros, barba por fazer. Cidadão trabalhador. Brasileiro indignado. Homem
desonesto. Caricatura do nosso povo?
Minha mente foi instigada e uma janela se abriu. Dela
observei uma multidão ocupando as praças.
Temos legitimidade?
Nos bastidores de todos os segmentos da nação, a corrupção é
uma praga. Onde quer que seja, nível hierárquico, localização geográfica ou
departamento, o “cambalacho” está lá, de prontidão em uma prateleira empoeirada
ou ocultado entre abraços e sorrisos amarelos.
Qual seria a proporção, destes que manifestam, que pratica ou
consente com algum tipo de desonestidade? Talvez poucos, em minha opinião
muitos.
Teriam os políticos também o direito de manifestar pedindo
tratamento isonômico? Ora, o direito à igualdade é cláusula pétrea, previsto no
art. 5º da Constituição, e, em uma nação de corruptos, só eles estariam pagando
o pato!
Já até imagino a cena, Fernando Collor e Paulo Maluf, com as
caras pintadas, vinagre na mochila e uma faixa com o dizer: "Igualdade já!
Imediata inclusão nos protestos de juízes
vendidos, empresários corruptores, fiscais desonestos e também do 'bom de prosa
e de recibo' Sr. Edvaldo".
Deixo a cômica tese para os juristas, mas proponho uma
reflexão.
Não se muda uma nação de cima para baixo. A transformação vem
da base. A mudança mais importante está em cada um de nós, na postura individual
e censura à imoralidade alheia.
Pouco adiantará a troca de um ou outro político. A fila
infelizmente não é das mais admiráveis. Que troquem todos e asseguro que a farra
continuará. Não temos como fugir de certas leis da vida e uma delas é que os representantes
políticos refletem o perfil da própria sociedade.
E uma sociedade só se muda com educação.
Nosso silêncio consentiu com um gasto de quase trinta bilhões
para uma Copa, valor que poderia ser investido na construção de escolas de
qualidade para nossas crianças.
Aprendamos a lição!
E que as vozes que hoje ecoam por avenidas e praças, com
legitimidade ou não, sensibilizem-se para a mais relevante questão: EDUCAÇÃO
JÁ!
Está aí um "efeito manada" que contagiaria até os céticos
e menos idealistas.
E sobretudo teria a eterna gratidão de nossos netos.
Nota: crônica escrita em 25/06/13, período de grandes manifestações populares no país.